Manoel dos Santos[1]
O documento analisado nesta reflexão será o Atlas da
Violência 2019 e sua escolha se deu em função da relevância do assunto abordado
na atualidade no Brasil. De acordo com o estudo em evidência, a mortalidade no
Brasil referente ao ano de 2017 atingiu o número de 65.602 homicídios de acordo
com (SIM/MS, 2017), representando maior nível de histórico de letalidade
violenta intencional no país. De acordo com o levantamento a violência letal
acomete principalmente a população jovem, que atinge um índice de 59,1% do
total de óbitos de homens entre 15 a 19 anos de idade são ocasionados por
homicídio.
Além
dos jovens especificamente, o aumento
da violência letal também tem atingido outros públicos específicos como os
negros, a população LGBTQI+ e as mulheres, estas em razão dos casos de
feminicídio” (ATLAS DA VIOLÊNCIA, 2019). Como fator agravante, conta-se ainda
com a expansão do Narcotráfico, que significa o controle do mercado criminal na
fronteira, expandindo as suas divisas nacionais e internacionais, contribuindo
decisivamente para o aumento da violência e das taxas de homicídios em outras
regiões do país.
Os
dados estatísticos apresentados nos relatórios econômicos e sociais oficiais mostram
que os custos econômicos da violência afetam tanto a economia, por atingir os
preços dos bens e serviços, além de impedir a acumulação, quanto a “acumulação
de capital físico e humano, bem como o desenvolvimento de determinados
mercados” (CERQUEIRA, 2014 apud ATLAS DA VIOLÊNCIA, 2019).
Concordamos
com Cerqueira (2014), quando afirma que esse custo da criminalidade atinge
também os cofres públicos, pois na esfera fiscal o Estado é obrigado a investir
os escassos recursos em ações para a contenção da violência. Neste sentido,
considera-se que a implementação de ações neste sentido envolve ainda o
investimento em segurança privada, em segurança pública, em destinação de
recursos no sistema público de saúde e de assistência social abrangendo
pagamento de pensões, licenças médicas e aposentadorias de vítimas de
violência, isso sem falar ainda no custo social da mesma, em razão da perda de
vidas em função dos homicídios (ATLAS DA
VIOLÊNCIA, 2019).
Neste
cenário, percebe-se, com base nos indicadores apresentados pelo Atlas da
Violência que as políticas públicas são adotadas de “caráter voluntarista pelos
mecanismos de governança, em contraposição a importância da arquitetura
institucional e dos arranjos de governança para uma política de Estado” desenhados
com a participação pública para ajudar na melhoria as ações dos governos (ATLAS
DA VIOLÊNCIA, 2019). Para além dessa questão da expansão do poder das facções,
constatou-se ainda que em alguns estados do Nordeste a segurança pública
apresenta insuficiência na condução da política pública, tanto em relação ao
aspecto fiscal, quanto à inexistência do desenho em implementação de política
pública transparente e efetiva de segurança fundamentada em métodos de gestão e
evidências científicas, como também tende a ser a regra na maioria dos estados
brasileiros” (ATLAS DA VIOLÊNCIA, 2019, p. 19).
Como
afirma o GIFT (2020), a participação pública na para melhorar a ação e a
transparência das ações dos governos pode contribuir para garantir a eficiência,
a equidade, a eficácia, a previsibilidade, a legitimidade e a sustentabilidade
da gestão da política pública. Como participação pública entende-se participação
pública como a variedade de formas em que o público em geral, incluindo as
organizações da sociedade civil e outros intervenientes não governamentais, são
convidados a, ou é-lhes dada para criaram, a possibilidade de, interagir
diretamente com as autoridades públicas através de comunicação cara a cara,
deliberando ou tomando decisões, ou através de formas escritas de comunicação
recorrendo a meios electrónicos ou papel (GIFT, 2020, p. 03).
Em
consonância com essa perspectiva percebemos que alguns dos fatores gerais que
ajudaram a diminuir a taxa de homicídios nas unidades federativas tem sido a
mudança do regime demográfico, reflexo do envelhecimento da população, bem como
o Estatuto do Desarmamento. Por outro lado, percebemos ainda uma contradição
neste cenário configurada pela perda de batalha para as organizações criminosas
estruturando guerra, quase que perdida entre as facções criminosas, as quais
avançam pelos estados do Norte e Nordeste. E ainda esse fenômeno tem atuado
para desestabilizar o processo de diminuição de homicídios em curso no país
desde 2010.
Deve-se
destacar que, considerando os dados apresentados no capítulo três, o custo das
mortes juvenis ao país é bastante importante, pois custam custaram ao Brasil
cerca de 1,5% do PIB nacional em 2010. Entre 2016 2017, houve um aumento de
6,7% na taxa de homicídios de jovens. De 2007 para 2017 essa taxa passou de
50,8 por grupo de 100 mil jovens em 2007, para 69,9 por 100 mil.
O
Atlas da Violência 2019 mostra uma realidade em que os dados evidenciam a
necessidade de políticas públicas focadas na redução de homicídios entre
jovens, principal grupo vitimado pelas mortes violentas intencionais. E para
existir políticas públicas para a juventude é preciso investimento na área, em
políticas sociais como educação, cultura, esporte, lazer, saúde, e logicamente,
que deve-se criar oportunidade de ingresso nas políticas de geração de
oportunidade de trabalho e renda.
Dessa
maneira, entende-se que investir na infância e na juventude é mais econômico do
que concentrar esforços para ressocializar futuros criminosos, investir em
infraestruturas e em ações de repressão armamentista de combate ao crime e a
incrementação de encarceramento. Até mesmo porque, estas medidas são pouco
eficazes, e como afirma Foucault (2012), em seu estudo sobre o papel da prisão
como mecanismo eficiente no processo de punição do sujeito, muito mais do que
de reformar e ressocializar, a prisão produz mais delinquentes do que reforma
cidadãos. O referido autor afirma que a prisão é o melhor meio, um dos mais
eficazes e mais racionais para punir infratores de uma sociedade. Ao invés de
ressocializar, a prisão produz delinquentes, favorece o aumento de
reincidência. Além disso, pontua ainda que a prisão também é um instrumento de
gestão e de controle de ilegalismo, é bem sucedida por classificar determinadas
delinquências em função das divisões de classe, de raça e de gênero,
dissociando e categorizando infratores oriundo de classes populares e da
burguesia.
Por
fim, observa-se que o ato ou o poder legal de punir encontra legitimidade no
fundamento da punição, porque o exercício do poder de punir vai além da
punição. Representa, efetivamente, o poder disciplinar de dominar os corpos, de
torná-los dóceis e subjugados, pois os fundamentos da punição garantem a
legitimidade para uso dos meios pelos quais se responde a algo que representa
uma conduta infratora diante da norma, da moral e da lei estabelecidas.
Dessa
forma, concluímos que a desigualdade racial escancara a total falta de
políticas públicas para garantir segurança para as mulheres vítimas desse
crime, mas especialmente a mulheres negras são as mais desassistidas e
vulneráveis. Os dados do Atlas da Violência 2019 mostram essa realidade, pois
quando se analisa os indicadores do aumento do feminicídio, percebe-se que de
2007 a 2017, o seu crescimento foi de 30%. A desigualdade racial se expressa
entre mulheres negras e não negras também através dos números. Mulheres não
negras vítimas de feminicídio representaram um índice de 4,5% neste período
enquanto as mulheres negras representavam um contingente de 29% desse total. Em
números absolutos, essa diferença dispara, sendo que as mulheres não negras
figuram entre os 1,7% enquanto as mulheres negras situam entre os 60,5% das
vítimas de feminicídio. Quando se leva em consideração os dados mais atuais,
tem-se o seguinte cenários: “a taxa de homicídios de mulheres não negras foi de
3,2 a cada 100 mil mulheres não negras, ao passo que entre as mulheres negras a
taxa foi de 5,6 para cada 100 mil mulheres neste grupo” (ATLAS DA VIOLÊNCIA,
2019).
Referências
ATLAS DA VIOLÊNCIA 2019. Organizadores:
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; Fórum Brasileiro de Segurança
Pública. Brasília: Rio de Janeiro: São Paulo: Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada; Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
FOUCAULT, Michael. Segurança,
penalidade, prisão. Michael Foucault: organização e seleção de textos
Manoel Barros da Mota; tradução Vera Lucia Avellar Ribeiro. – Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2012.
GLOBAL INICIATIVE FOR
FISCAL TRANSPARRENCY - GIFT. Princípios da participação públicas em
políticas fiscais. Disponível em:<
http://www.fiscaltransparency.net/pp_principles/>. Acesso em 26 de março de
2020.
[1] Mestrando em Governo, Estado e
Políticas Públicas pela Faculdade Latinoamericana de Ciências Sociais – FLSACSO
Brasil.
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