segunda-feira, 20 de abril de 2020

UMA ANÁLISE CRÍTICA SOBRE O ATLAS DA VIOLÊNCIAS 2019



Manoel dos Santos[1]


O documento analisado nesta reflexão será o Atlas da Violência 2019 e sua escolha se deu em função da relevância do assunto abordado na atualidade no Brasil. De acordo com o estudo em evidência, a mortalidade no Brasil referente ao ano de 2017 atingiu o número de 65.602 homicídios de acordo com (SIM/MS, 2017), representando maior nível de histórico de letalidade violenta intencional no país. De acordo com o levantamento a violência letal acomete principalmente a população jovem, que atinge um índice de 59,1% do total de óbitos de homens entre 15 a 19 anos de idade são ocasionados por homicídio.
Além dos jovens especificamente, o aumento da violência letal também tem atingido outros públicos específicos como os negros, a população LGBTQI+ e as mulheres, estas em razão dos casos de feminicídio” (ATLAS DA VIOLÊNCIA, 2019). Como fator agravante, conta-se ainda com a expansão do Narcotráfico, que significa o controle do mercado criminal na fronteira, expandindo as suas divisas nacionais e internacionais, contribuindo decisivamente para o aumento da violência e das taxas de homicídios em outras regiões do país.
Os dados estatísticos apresentados nos relatórios econômicos e sociais oficiais mostram que os custos econômicos da violência afetam tanto a economia, por atingir os preços dos bens e serviços, além de impedir a acumulação, quanto a “acumulação de capital físico e humano, bem como o desenvolvimento de determinados mercados” (CERQUEIRA, 2014 apud ATLAS DA VIOLÊNCIA, 2019).
Concordamos com Cerqueira (2014), quando afirma que esse custo da criminalidade atinge também os cofres públicos, pois na esfera fiscal o Estado é obrigado a investir os escassos recursos em ações para a contenção da violência. Neste sentido, considera-se que a implementação de ações neste sentido envolve ainda o investimento em segurança privada, em segurança pública, em destinação de recursos no sistema público de saúde e de assistência social abrangendo pagamento de pensões, licenças médicas e aposentadorias de vítimas de violência, isso sem falar ainda no custo social da mesma, em razão da perda de vidas em função dos homicídios  (ATLAS DA VIOLÊNCIA, 2019).
Neste cenário, percebe-se, com base nos indicadores apresentados pelo Atlas da Violência que as políticas públicas são adotadas de “caráter voluntarista pelos mecanismos de governança, em contraposição a importância da arquitetura institucional e dos arranjos de governança para uma política de Estado” desenhados com a participação pública para ajudar na melhoria as ações dos governos (ATLAS DA VIOLÊNCIA, 2019). Para além dessa questão da expansão do poder das facções, constatou-se ainda que em alguns estados do Nordeste a segurança pública apresenta insuficiência na condução da política pública, tanto em relação ao aspecto fiscal, quanto à inexistência do desenho em implementação de política pública transparente e efetiva de segurança fundamentada em métodos de gestão e evidências científicas, como também tende a ser a regra na maioria dos estados brasileiros” (ATLAS DA VIOLÊNCIA, 2019, p. 19).
Como afirma o GIFT (2020), a participação pública na para melhorar a ação e a transparência das ações dos governos pode contribuir para garantir a eficiência, a equidade, a eficácia, a previsibilidade, a legitimidade e a sustentabilidade da gestão da política pública. Como participação pública entende-se participação pública como a variedade de formas em que o público em geral, incluindo as organizações da sociedade civil e outros intervenientes não governamentais, são convidados a, ou é-lhes dada para criaram, a possibilidade de, interagir diretamente com as autoridades públicas através de comunicação cara a cara, deliberando ou tomando decisões, ou através de formas escritas de comunicação recorrendo a meios electrónicos ou papel (GIFT, 2020, p. 03).
Em consonância com essa perspectiva percebemos que alguns dos fatores gerais que ajudaram a diminuir a taxa de homicídios nas unidades federativas tem sido a mudança do regime demográfico, reflexo do envelhecimento da população, bem como o Estatuto do Desarmamento. Por outro lado, percebemos ainda uma contradição neste cenário configurada pela perda de batalha para as organizações criminosas estruturando guerra, quase que perdida entre as facções criminosas, as quais avançam pelos estados do Norte e Nordeste. E ainda esse fenômeno tem atuado para desestabilizar o processo de diminuição de homicídios em curso no país desde 2010.
Deve-se destacar que, considerando os dados apresentados no capítulo três, o custo das mortes juvenis ao país é bastante importante, pois custam custaram ao Brasil cerca de 1,5% do PIB nacional em 2010. Entre 2016 2017, houve um aumento de 6,7% na taxa de homicídios de jovens. De 2007 para 2017 essa taxa passou de 50,8 por grupo de 100 mil jovens em 2007, para 69,9 por 100 mil.
O Atlas da Violência 2019 mostra uma realidade em que os dados evidenciam a necessidade de políticas públicas focadas na redução de homicídios entre jovens, principal grupo vitimado pelas mortes violentas intencionais. E para existir políticas públicas para a juventude é preciso investimento na área, em políticas sociais como educação, cultura, esporte, lazer, saúde, e logicamente, que deve-se criar oportunidade de ingresso nas políticas de geração de oportunidade de trabalho e renda.
Dessa maneira, entende-se que investir na infância e na juventude é mais econômico do que concentrar esforços para ressocializar futuros criminosos, investir em infraestruturas e em ações de repressão armamentista de combate ao crime e a incrementação de encarceramento. Até mesmo porque, estas medidas são pouco eficazes, e como afirma Foucault (2012), em seu estudo sobre o papel da prisão como mecanismo eficiente no processo de punição do sujeito, muito mais do que de reformar e ressocializar, a prisão produz mais delinquentes do que reforma cidadãos. O referido autor afirma que a prisão é o melhor meio, um dos mais eficazes e mais racionais para punir infratores de uma sociedade. Ao invés de ressocializar, a prisão produz delinquentes, favorece o aumento de reincidência. Além disso, pontua ainda que a prisão também é um instrumento de gestão e de controle de ilegalismo, é bem sucedida por classificar determinadas delinquências em função das divisões de classe, de raça e de gênero, dissociando e categorizando infratores oriundo de classes populares e da burguesia.
Por fim, observa-se que o ato ou o poder legal de punir encontra legitimidade no fundamento da punição, porque o exercício do poder de punir vai além da punição. Representa, efetivamente, o poder disciplinar de dominar os corpos, de torná-los dóceis e subjugados, pois os fundamentos da punição garantem a legitimidade para uso dos meios pelos quais se responde a algo que representa uma conduta infratora diante da norma, da moral e da lei estabelecidas.    
Dessa forma, concluímos que a desigualdade racial escancara a total falta de políticas públicas para garantir segurança para as mulheres vítimas desse crime, mas especialmente a mulheres negras são as mais desassistidas e vulneráveis. Os dados do Atlas da Violência 2019 mostram essa realidade, pois quando se analisa os indicadores do aumento do feminicídio, percebe-se que de 2007 a 2017, o seu crescimento foi de 30%. A desigualdade racial se expressa entre mulheres negras e não negras também através dos números. Mulheres não negras vítimas de feminicídio representaram um índice de 4,5% neste período enquanto as mulheres negras representavam um contingente de 29% desse total. Em números absolutos, essa diferença dispara, sendo que as mulheres não negras figuram entre os 1,7% enquanto as mulheres negras situam entre os 60,5% das vítimas de feminicídio. Quando se leva em consideração os dados mais atuais, tem-se o seguinte cenários: “a taxa de homicídios de mulheres não negras foi de 3,2 a cada 100 mil mulheres não negras, ao passo que entre as mulheres negras a taxa foi de 5,6 para cada 100 mil mulheres neste grupo” (ATLAS DA VIOLÊNCIA, 2019).


Referências


ATLAS DA VIOLÊNCIA 2019. Organizadores: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Brasília: Rio de Janeiro: São Paulo: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

FOUCAULT, Michael. Segurança, penalidade, prisão. Michael Foucault: organização e seleção de textos Manoel Barros da Mota; tradução Vera Lucia Avellar Ribeiro. – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2012.

GLOBAL INICIATIVE FOR FISCAL TRANSPARRENCY - GIFT. Princípios da participação públicas em políticas fiscais. Disponível em:< http://www.fiscaltransparency.net/pp_principles/>. Acesso em 26 de março de 2020.





[1] Mestrando em Governo, Estado e Políticas Públicas pela Faculdade Latinoamericana de Ciências Sociais – FLSACSO Brasil.

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